segunda-feira, maio 18, 2009

As armas das hostes nacionais na Idade Média.

História de Portugal - Glossário do Armamento dos guerreiros em Portugal nos fins da Idade Média- A História de Portugal , tal como no Ocidente Medieval, é marcada pela guerra , a própria fundação da nacionalidade ocorre no contexto da Reconquista Cristã e o Conde D. Henrique , cavaleiro da nobreza francesa e pai do primeiro rei de Portugal , chega à Península Ibérica no contexto do movimento das Cruzadas: porém, se houve época em que a Guerra marcou o quotidiano e a vida política Portuguesa foi sem dúvida no séc. XIV quando Portugal se envolveu em três guerras , chamadas de « Fernandinas », com Castela e, por consequência indirecta num contexto mais vasto a Guerra dos Cem Anos . Resta ainda acrescentar que estes equipamentos durante o Séc. XIV foram determinantes nas guerras do Caia e Guadiana , como actos isolados ou na prevenção ou mesmo participação das Guerras de Independência durante o séc. XIV . Mas é também deste período que encontramos as primeiras informações coevas e significativas do equipamento militar português na época Medieval . Na Crónica de D.Fernando , o cronista Fernão Lopes descreve : « As armas mandou el Rei mudar a esta guisa : do carambais mandou que fizessem jaque ; e da loriga , cota ; e da capelina , barvuda com seu camalho , e estofa , e cota , e jaque , e caxotes , e canelleiras Framçeses , e luvas , e estoque e grave »[1]. E mais atrás , no capítulo XXXVI l lê-se : « Armado aaguisa chamavom estomçe assi de pee come de cavallo , qualquer que era compridamente armado , sem lhe falleçemdo nenhuuma cousa , e o que era comunallmente , e nom tambem , chamavom armado aa mea guisa »[2]
As Ordenações de 1375 foram provavelmente o documento coevo que serviu de base , à identificação dos equipamentos do armamento português , uma vez que quando Fernão Lopes escreve a Crónica, parte de alguns desses equipamentos de guerra já se não usava . Vejamos os seus significados e a sua função.

A ) – Gambais – era uma túnica de tecido ou de cabedal , acolchoada com costuras verticais enchidas de algodão . Usada pelos árabes , aparece na Europa depois das primeiras Cruzadas . Certamente conhecida na Península Ibérica , dado o contínuo contacto com os mouros . E era geralmente usada sob a loriga . Os homens a pé usavam –no por vezes como única defesa . Será mudada em jaque.

B ) _ Jaque - era uma veste reforçada com lâminas de ferro . Como as Ordenações se referem ao armamento importante , seria o que os ingleses chamam « coat of plates » , geralmente de coiro , que servia de base a lâminas de metal ; sem mangas , foi usado no século XIV como a única defesa do tronco. Em Portugal as reformas militares levadas a cabo por D. Fernando após a 2ºGuerra Fernandina pressupõe a introdução desta peça , quando Fernão Lopes refere que “ do cambais mandou que se fizesse jaque “ [3]

C ) _ Loriga - Conhecida no Ocidente Medieval nos Sécs. XII e XIII , tem provavelmente antecedentes ibéricos que se reconhecem no equipamento romano e na literatura visigótica [4] .Peça clássica característica do equipamento defensivo , destinada à protecção do tronco , embora pudesse também comportar elementos destinados à defesa da cabeça e dos braços . Pode definir-se como uma túnica de malha ou camisola de anéis , sem capuz , com mangas , e não passava abaixo dos joelhos , com um talho à frente e outro atrás para facilitar a permanência do cavaleiro na cela . Será mudado em « cota » , veste de malha a anéis com manga , gola alta ,e chegará até pouco abaixo das ancas. O jaque a cobrirá completamente .

D ) _ Capelina - Será a « barvuda » e camalho servia de base para o grande elmo que , na segunda metade do século era usado quase exclusivamente para justas e torneios .

E ) _ Estofa - Como é citada antes da cota , embora o cambais fosse usado sob a malha , é provável que seja uma túnica de tecido forte para o substituir . A malha não era fácil de usar sem protecção que defendesse o corpo do roçar dos anéis , os quais , tendo os extremos rebatidos , eram ásperos .

F ) _ Coxotes – ( arma defensiva ) - Um grupo de lâminas de metal , ou coiro reforçado com metal , que defendiam as coxas e se uniam às joalheiras , formadas por uma peça globular com extensão lateral externa , a asa . Era articulada ao coxote por uma pequena lâmina e outra na parte inferior , constituindo um bloco para facilitar o movimento .

E ) _ Caneleiras – ( arma defensiva ) -Defesa das pernas , composta por duas lâminas articuladas com dobradiças na parte externa e com correias e fivelas na parte interna . Muito usadas em coiro , abertas na parte interna e unidas por um cordão que corria de um extremo ao outro . O texto diz « francesas » , provavelmente de metal , coisa comum na Europa .

G ) _ Estoque – É a espada do cavaleiro , longa e estreita , que pendia do cinto «nobre» e a Adaga , presa à direita , muito pequena .Este cinto , ou antes cinturão ,

ornamentada com metal ou só composto de elementos metálicos , usado pelos nobres na segunda metade do século , e também nos trajos civis , é típico neste período .

Mas outras fontes referem-nos outros equipamentos utilizados pelos portugueses durante plena e baixa Idade Média. A espada constituía um equipamento indispensável , muito usada , até como simples adorno , a espada foi a arma por excelência na Idade Média , tornou-se mesmo um atributo da nobreza , uma insígnia de certas dignidades , um símbolo de força , coragem e acção guerreira ; as referências a este equipamento são variadas nos Lusíadas , desde o séc.XII ao XIV , deste período lê-se :



1. Referência à qualidade do material


Arracam das espadas de aço fino

Os que por bom tal feito apregoam [5]



2. Referência ao equipamento de Nuno Álvares Pereira

( herói das guerras da Independência )


A mão na espada , irado e não facundo ,

Ameaçando a terra , o mar e o mundo [6]


Na Crónica do Condestabre , encontra-se uma representação de uma figura desta personagem guerreira das guerras com Castela , D. Nuno Álvares Pereira , equipado com as suas armas , mas sem o seu capacete de plumas , que se encontra ao seu lado mas no chão , tendo nas mãos um comprido montante direito, com a empunhadura floreada nos quartões e no topo.


3. Referência ao efeito da violência determinada pelo emprego da espada


Aqui a fera batalha se encruece

Com mortes , gritos , sangue e cutiladas [7]


Mas sobre o armamento português medieval e contemporâneo da segunda metade do Séc. XIV , a Crónica de D. Fernando , revela-nos ou leva-nos a defender que o equipamento e o material português , não só era escasso como também imperfeito ; as palavras imperfeito , desconexo , escasso e impotente [8] , leva-nos a esta conclusão , quer relativamente às armas ofensivas quer defensivas . Por outro lado , o maior poeta português Luís Vaz de Camões , na sua obra “ Os Lusíadas “ refere sobre o equipamento militar de inícios do séc. XV , que cada qual se armava como podia e não como convinha , no dizer do poeta .

H ) Luvas - As manoplas , com a parte metálica em forma de clepsidra , ao interior da qual se aplicava uma luva de cabedal ou tecido forte , com os dedos cobertos por uma série de pequenas placas de metal .

I ) Lança – A lança comprida normal era a arma principal dos chamados homens de armas , que constituíam em plena Idade Média a chamada cavalaria pesada . Fazia parte do equipamento de D.Nuno Álvares Pereira , quando reconheceu o campo de batalha , antes da sua eclosão ; nessa acção levava “ cento de cavalo com cotas e braçais e lanças compridas "[9] . Contudo o Condestável como afirma o cronista , dela não se serviu uma vez que combateu a pé . A infantaria portuguesa, nas Guerras da Independência 1383-85 , utilizou frequentemente a lança de menores dimensões , entre elas destacam-se os dardos que eram lanças mais curtas utilizadas pelos peões . O cronista refere : “ eram em tanto servidos avondo de lanças e dardos e virotões ” [10] . Em Portugal as lanças utilizadas pela infantaria portuguesa nas Guerras Fernandinas , pouco evolução apresentam relativamente aos séculos anteriores tal como no Ocidente. “ Durante os séculos XII e XIV o manejo das lanças pela infantaria não sofrem variações importantes relativamente à Alta Idade Média "[11] . Neste grupo de armas podemos ainda indicar : os piques ( que tinham aproximadamente os seis metros , os chuços curtos e muitas vezes improvisados , as forquilhas e até tridentes ,

J ) Besta – A besta, embora imperfeita, já era conhecida em Portugal por volta do séc. XI , porém, só se tornou uma importante arma de guerra durante o séc. XIV. Na batalha de Atoleiros , D. Nuno Álvares Pereira , serviu-se dos peões e dos besteiros para o triunfo desta batalha e que marca a supremacia da infantaria como decisiva para este triunfo.


Mila Lanças ajuntou com os que tinha ,

Foram dois mil besteiros escolhidos

Formou deles um campo qual convinha[12]


H ) Funda – Arma vulgarmente usada entre os Romanos , cujos exércitos não dispensavam um corpo de fundeiros , a funda era muito apreciada, pela eficácia de tiro do seu projéctil . A sua utilização está documentada, nas Guerras Fernandinas com Castela .

I ) Escudo – O escudo como arma defensiva é conhecida desde longínquos tempos . Fernão Lopes diz-nos que os Castelões , em Aljubarrota , traziam na vanguarda da besteiros « apavezados» e que o Condestável andava com um escudo no braço , por recrear os virotões . Os escudos tinham geralmente na parte superior , argolas ou braçadeiras , por onde passavam os braços para se manobrarem .Os escudos portugueses do fim da Idade Média , considerando como fonte iconográfica a tapeçaria de Pastrana , onde é possível identificar alguns soldados ao serviço de D.Afonso V, eram grandes , coloridos e com armas heráldicas .Com a introdução das armas de fogo e com o alcance de maiores distâncias dos projécteis , o escudo foi-se abandonando sucessivamente . Porém a sua eficácia como equipamento de defesa contra setas , arremessões , dardos e golpes de espada ou lanças , dependeu sempre do seu material , uma vez que em função da necessidade de resistir aos projécteis , tiveram necessidade de serem reforçados, e o seu peso , o que acabou por ter consequências no palco de guerra, sobretudo na movimentação dos “ guerreiros”.

Porém, foi partir do séc.XV , com as necessidades de enfrentar o inimigo muçulmano , melhor equipado e armado , que houve necessidade de melhorar os meios defensivos e ofensivos do equipamento militar português . Nesse contexto tomam-se medidas , importam-se armaduras de Biscaia , malhas de Milão e arcabuzes da Flandres , Boémia e Alemanha, assim como matéria-prima como chapas de aço para o fabrico de armas , para além das bestas e das armas portáteis. Por outro lado, desde meados do séc. XV, que os monarcas portugueses concediam privilégios e vantagens aos oficiais que fabricavam armas e seus pertences , destacando-se os seguintes ofícios : hasteiros , couraceiros , barbeiros de espadas , lanceiros , bate-folhas , latoeiros de cravações de couraças , armeiros , viroteiros , solheiros , besteiros e espingardeiros ... Em fins do século , admitia-se e fomentava-se a vinda de artífices estrangeiros para fabricar , corrigir e polir as armas quer defensivas quer ofensivas . Mas na segunda metade do séc. XV quando o Império Colonial Português , estava consolidado em toda a Costa Ocidental Africana , a arte de fabricar e conservar armas e equipamento militar ainda era uma preocupação da coroa portuguesa como se explica através de medidas régias do monarca D.Manuel I , como por exemplo , o pagamento obrigatório de uma taxa de oito cruzados por cabeça por cada judeu que fugindo de Castela se refugiasse em Portugal , ficava reduzido a meia taxa se o seu ofício estivesse relacionado com a fabricação e renovação das armas [13].

Podemos ainda referir outras peças que denunciam a sua utilização com frequência nas operações militares utilizadas em fins da Idade Média e confirmadas pela relação apresentada no “Glossário de Armas ” [14] por João Gouveia Monteiro :

Adarga – Escudo fabricado não em madeira , mas em pele , originário do Magrebe, no Séc. XIII , muda a sua forma circular , assumindo um aspecto bi-oval.[15]

Aljava – Bolsa ou coldre de couro que os besteiros ou arqueiros , traziam a tiracolo ou á cintura e onde transportavam os viratões ou setas destinadas à utilização nas operações militares .[16]

Braçais – Peça de arnês destinada à defesa do braço.[17]

Brafoneiras – Peças de malha em forma de calça, destinadas à protecção das pernas[18]

Caneleira – Peça de equipamento militar destinada à protecção das canelas [19]

Couraça – Peça de protecção do tronco ( peito e costas ) dos combatentes, cuja afirmação se produz na Península Ibérica a partir de meados do séc. XIII , em virtude da incapacidade das tradicionais defesas de malha contrariarem entre si só a evolução registada a nível do armamento defensivo. [20]

Elmo – Protecção de ferro destinada à protecção da cabeça dos guerreiros. Domina em Castela o elmo em forma de tonel , [21] diferente da Capelina , capacete de ferro de tipo semi-esférico bastante simples que se moldava à forma da cabeça e que podia ter ou não uma protecção nasal [22]

Loudel – Túnica larga , de mangas curtas ou mesmo sem mangas , possivelmente acolchoada , que os guerreiros envergavam – decorada com os seus símbolos heráldicos . [23]

Maça - Estas armas identificadas pela iconografia peninsular, segundo Soler de Campo [24] , tinham uma grande carga simbólica e parecem estar associadas ao poder e à justiça . Era uma arma secundária , ofensiva e era uma espécie de cacete curto , com um cabo cilíndrico e uma cabeça de ferro que poderia ter várias formas entre elas a esférica.

Pavês – Escudo canelado e de grandes dimensões , que servia para proteger completamente um guerreiro ,em particular um besteiro – que – regularmente tinha que se recolher para poder e recarregar a sua besta .[25]

Sapatos de Ferro – peça de arnês de pernas destinada , como o nome indica, à protecção dos pés dos guerreiros .[26]



                                                                                                                               Postado por Arlindo Sena









[1] Fernão Lopes , Crónica de D. Fernando , Capítulo LXXXVII , pp 230

[2] Fernão Lopes , Crónica de D.Fernando , Capítulo XXXVI , pp 97

[3] Fernão Lopes , Crónica de D.Fernando ,Capítulo LXXXVII , pp.305

[4] Álvaro Soler de Campo , Ob.Cit.,pp .119

[5] - Luís Vaz de Camões , Os Lusíadas , Canto III , 130

[6] - Luís Vaz de Camões , Os Lusíadas , Canto IV , 14

[7] - Luís Vaz de Camões , Os Lusíadas, Canto IV , 42

[8] - Fernão Lopes ,Crónica de D.Fernando , cap .LXXXVII

[9] Fernão Lopes , Crónica de D.João I , cap.XXXIII,pag.92

[10] Fernão Lopes , Crónica de D.Fenando , cap.

[11] Alvaro Soler del Campo , La Evolución del Armamento Medieval , pp 47

[12] F.Rodrigues Lobo , O Condestabre de Portugal , Cap.XV

[13] Damião de Góis , Crónica de D.Manuel I , parte 8 , fol.8 Vº

[14] João Gouveia Monteiro , Ob.ci ppt531-547

[15] Ibid, pp531

[16] Ibid,.pp531

[17] Ibid .pp535

[18] Soler del Campo,Ob Cit ,pp 123

[19] João Gouveia Monteiro,Ob.Cit.536.

[20] Ibid.pp537

[21] Bhrum Hoffmeyer, Las armas de la historia da reconquista,pp.80-81

[22] ibid,pp.85-86

[23]Ibid ,.pp544

[24] Soler de Campo , Ob.Cit.pp 59

[25] Ibid,.pp545

[26] Ibid, .pp546