sexta-feira, abril 23, 2010

Fazer a guerra na Raia da Plancie Medieval.








Castelo do Marvão

A guerra na linha de fronteira ao longo do Guadiana , durante a Baixa Idade Média é uma realidade documentada quase sempre com uma forte componente mítica , onde o cavaleiro se destaca da peonagem e o teatro de guerra ou das operações bélicas ocorre ao longo das vastidão das planícies Alentejanas. Porém, a realidade documental, demonstra que o teatro de guerra privilegiado ocorre nos assédios aos castelos de fronteira e em poucos casos tal com em Castela na chamada “guerra guerreada". Assim, e em primeiro lugar, interessa definir a fronteira portuguesa na região do actual Alto Alentejo, não apenas como o espaço tradicionalmente considerado e definido ao longo do rio Caia , mas como uma realidade mais ampla que se desenvolve para sul do Guadiana .



Castelo de Elvas

Neste contexto, se os Castelos de Elvas e Campo Maior , foram determinantes na defesa da fronteira medieval , não menos importantes foram os Castelos de Juromenha, Alandroal , Vila Viçosa , Borba e Estremoz , alguns deles tendo mesmo um papel fundamental no apoio logístico, como veremos . Em segundo lugar , o que significava a fronteira na época medieval no espaço em estudo , segundo a historiografia tradicional, era fundamentalmente um espaço de guerra aberta e um espaço a conquistar ? Mas era também um espaço onde a espionagem marca a preparação para a guerra , ou melhor, para os assédios organizados de um lado e de outro da fronteira. Porém, tal como nas épocas Modernas e Contemporânea, é um espaço de contrabando intenso sobretudo quando reina a acalmia ou mais corrente a paz . Esse contrabando é tão significativo que aos portos secos do Caia vêem com frequência os Castelhanos que trazem cavalos para fazer comércio, o que não deixa de ser perigoso teoricamente para estes esta actividade clandestina, com a agravante de ser um produto fundamental para os confrontos bélicos, mas mais curioso era a realidade dessa actividade clandestina que não era desconhecido pela Coroa portuguesa . De facto D. Afonso V permitiu, durante três anos, aos estrangeiros que trouxessem armas e cavalos, fosse concedido o privilégio do não pagamento de qualquer taxa, o que demonstra a importância da aquisição de meios bélicos por via da fronteira, muitas vezes ou quase sempre clandestina, e com a curiosidade de por vezes se verificar que os mercadores desse comércio de contrabando podiam ser os próprios inimigos ou se quisermos, os tradicionais inimigos que vivem nas proximidades da fronteira e que conhecem os modos e os meios que alimentam esse contrabando , que, aliás, era desejado e era comum , quer se trate da margem do Caia/Guadiana portuguesa ou de castelhana . Em terceiro lugar, como se faz a guerra no espaço em consideração? Através de pequenos exércitos, que não profissionais , não obedecem a uma estrutura organizada , em termos administrativos civis e militares e não são financiados pelos poderes públicos. De um modo geral careciam de uma“ ... infra-estrutura administrativa , de financiamento de quadros de comando estável e se dissolvia quando por vezes não estavam terminadas as operações e por vezes antes ...” . Logo, o carácter permanente e regular , não é características dos exércitos medievais não depende do Estado como na Época Moderna , mas do cumprimento das obrigações vassálicas ou como obrigação na qualidade de súbito . É nesta última condição que se entendem os pequenos “ exércitos” da guerra do Caia e do Guadiana , que se identificam através das fontes documentais em Elvas e Alandroal . Em quarto lugar , que tipo de organização e que tipo de armas possuem os exércitos do Caia e Guadiana ? De um modo geral as mesmas que caracterizam os exércitos peninsulares do fim da Idade Média , ou melhor, eram pequenas forças que se apoiavam na Infantaria por vezes constituído por homens que na vida quotidiana estavam relacionadas com as armas, a Cavalaria pelo preço do equipamento do homem e do cavalo, que era caro e se limitava aos homens de comando, numa época em que o cavaleiro por razões de estratégia de defesa a cavalo, apeava-se do mesmo e combatia no “ teatro de guerra “ como se de um peão se tratasse . Mas a infantaria era a força determinante sobretudo na guerra ofensiva que está mais do que documentada :“com dous homêes de pee , antre almogavares e outra gente". Por outro lado , Gonçalo de Azevedo , Conde de Viana e Fronteiro mor de Vila Viçosa , mais tarde de Lisboa , tinha no seu “exército”, 1000 lanceiros e besteiros e Vasco Martins de Melo , 200 lanças tal como Martim Afonso de Melo , nas operações ofensivas e defensivas da fronteira do Caia-Guadiana , face às ameaças de Mestre de Santiago de Castela . Contudo, nesta vasta região , a organização das forças portuguesas tornou-se somente clara durante a Crise de 1383-85 , numa época em que um dos heróis da guerra da Independência , D. Nuno Álvares Pereira , era fronteiro-mor da região Entre-Tejo e Guadiana .Quanto às armas as mais utilizadas e frequentemente no equipamento português durante o séc.XIV, destacavam-se os : ...cambais , loriga , capelina ou bacinete , coxotes e caneleiras .


                                      Cortina muralhada do Castelo do Alandroal

Em quinto lugar : na zona do Caia e Guadiana , os Castelos para além da sua importância defensiva e ofensiva ; havia alguns que na de retaguarda tinham uma função mais específica , de armazenamento de armas e, como tal, de apoio logístico às actividades da guerra, como a Torre Menagem do Castelo de Estremoz onde as armas eram depositadas no “ dicto almazem na casa dell que he dentro no dicto castello" ou os Castelos de Veiros , Juromenha ou na torre do castelo do Alandroal. Mas, cenário da guerra medieval nos fins da Idade Média privilegiado em toda a fronteira portuguesa de Norte a Sul , tinha como palco central o Castelo que era sem dúvida o meio mais eficiente na prática da guerra, quer em toda a Península Ibérica quer no Ocidente Medieval . Esta realidade bélica , o Castelo não é apenas uma arma defensiva, ela é também uma base extraordinária para a guerra ofensiva e na medida em que a guerra de fronteira é uma guerra de conquista de posições . Eis um exemplo desse tipo de guerra : “...antes de iniciar o cerco de Elvas, ao mandar abastecer Badajoz , Albalá , Jaraicero e Almocir com grandes quantidades de pão e trigo e cevada , necessários ao aprovisionamento das gentes e de armas a partir desses castelos, deveriam invadir Portugal ".Porém foi na guerra defensiva que o Castelo provou ser quase inexpugnável , segundo Garcia Fitz : “ Qualquer fortificação bem abastecida , ainda que tivesse poucos defensores e com clara desvantagem em armas , tinha muitas possibilidades de manter-se frente a uma pressão exterior".Os cercos foram a prática de guerra mais utilizada na fronteira do Caia e Guadiana . As fontes revelam-nos sistematicamente nos fins de Idade Média , em Elvas , e mais para interior das margens do Guadiana , os cercos a Vila Viçosa , importante também em acções ofensivas pela sua posição estratégica de “ fazer correr “ os seus “ exércitos “ , numa faixa bem determinada entre o Alandroal e Estremoz , não está posta de parte a sua intervenção em terras do Sul como Terena ou Reguengos , e é provável que tal acontecesse atendendo que o fronteiro mor de Vila Viçosa , o Conde Gonçalo de Azevedo era simultaneamente o fronteiro mor de Moura no fim do Séc. XIV . A importância desta vila no palco da guerra medieval é incontestável -“ quem vençesse e ouvesse a praça ligeiramente cobriria os logares cercados” .Mas a defesa de longa fronteira , foi também possível em função de um conjunto de modificações que ocorreram nas primeiras fortificações acasteladas do início da reconquista cristã portuguesa ao longo da raia . Na região do Caia em Elvas, as alterações às novas exigências de guerra atingem o auge em finais do Séc. XV ; em Barbacena (Elvas ) a nova gramática bélica marca esta nova fortificação a caminho do Norte Alentejano ; ao contrário de Campo Maior, onde a edificação mandada erigir por D. Dinis em 1310 só será alterada com a introdução do fogo de artilharia na segunda metade do séc. XVII, as suas altas muralhas e a sua forma compacta explicam a longa longevidade desta construção bélica. Na região do Guadiana, o Castelo do Alandroal mantém a estrutura inicial do Séc. XIV, o seu papel na logística da guerra é deveras importante, mas como teatro de operações não se encontra nas frentes mais avançadas, papel esse pertencente a Elvas e Juromenha e na retaguarda a Vila Viçosa.


Torre de Menagem (Castelo de Estremoz)

Na época de transição quase até ao aparecimento da pólvora e da sua aplicação na guerra aberta, destacamos a área das fortificações da actual região dos mármores , o Castelo de Estremoz , cuja Torre de Menagem funcionou como autêntico “ paiol” de apoio logístico à guerra de assédio e provavelment/ pontualmente como reforço de armas através da cavalaria de ginetes ( ligeira ) aos locais de cerco .

Castelo de Évora Monte

Não menos importante e o melhor exemplar das inovações e transformações, é o Castelo de Évora Monte , salientando-se o Paço Fortificado , que se inscreve numa fase de transição pirobalística e finalmente o Castelo de Vila Viçosa , de planta quadrada , do início do séc .XVI, do qual se destacam os torreões cilíndricos de entrada e o profundo fosso que rodeia toda a estrutura do edifício anunciando uma nova era, a do fogo. Porém, numa época em que o Castelo constitui um elemento fundamental, considerando que a Guerra Medieval de um modo geral como vimos, se caracteriza como uma guerra de assédios , os exércitos que põem cerco têm alguns objectivos determinados . Nesta perspectiva, para além da pressão psicológica sobre a população cercada, cuja atitude era de resistir e padecer , tratava-se também de destruir os seus recursos económicos e ao mesmo tempo estabelecer as condições de acesso ao Castelo , cujo assédio se podia fazer através da aproximação das muralhas , utilização de engenhos e abertura de cavas e minas , esta última prática muito utilizada , através da qual o inimigo pretendia abrir as portas da população sitiada e permitir o avanço dos invasores , por isso mesmo a vigilância das portas ou mesmo a sua abertura era um acto temido e sagrado : “ dabrir as portas tiinha moor cuidado que de rrezar as matinas”. Mas, como defendemos ao logo do presente texto , o castelo como máquina de guerra afirmava-se através das suas capacidades defensivas e quase sempre com sucesso. As mais comuns eram : Do lançamento do alto das ameias e das torres , com grande intensidade chuveiros de viratões e de setas simultaneamente , os sitiados lançavam também sobre os assaltantes e as suas máquinas de guerra fabricadas em madeira , uma vasta gama de projécteis e de materiais inflamáveis , uma técnica em que os estrategos da guerra medieval recomendavam tal como : Cristiano Pisano , Frei de D.Alonso ou Gil Roma. Se na guerra medieval, o Castelo teve um papel fundamental, as armas e o equipamento da cavalaria, da infantaria e da artilharia tiveram um papel singular  .